Minha fascinação pela literatura começou bem cedo, na infância. Influenciado, sem dúvida, pela minha mãe Nerina.
Ela adorava ler. Lia tudo que lhe chegava às mãos: jornais, revistas, romances... Sempre que possível, lia para mim histórias infantis. Esse momento de magia acontecia à noite, à luz de lamparinas. Eu ouvia os contos e, nas asas da imaginação, rumava para aquele mundo de fantasia, até minha mãe parar de ler. Ela então avisava que estava na hora de dormir.
Aos sete anos de idade, fui matriculado no Colégio Rosa Oliveira Magalhães.
Dois anos se passaram. Um dia, Dona Rosa, minha professora e amiga, reuniu um grupo de alunos, depois chamou uma professora auxiliar. A seguir, pediu-lhe para conduzi-los à biblioteca do colégio para retirarem livros de suas preferências.
Essa ida à biblioteca deixou-me eufórico. Ia finalmente levar para casa vários livros de contos de fadas. Meus colegas não se alegraram, para eles essa visita à biblioteca estava mais para um castigo.
O grupo fora composto por alunos de várias idades, eu era o mais jovem. A professora Antonia nos agrupou e, tomando a dianteira, nos levou para a biblioteca.
Entre colegas que não escondiam a tristeza e o desprezo para com os livros, prossegui saltitante, ansioso para ser o primeiro a chegar.
Fomos recebidos por uma bibliotecária idosa chamada Gertrudes. Após conversar com a professora Antonia, a bibliotecária indicou-nos uma sala repleta de livros infanto-juvenis. Meus colegas foram rápidos na escolha dos livros. Não demonstraram nenhuma emoção, retiraram volumes com poucas páginas elevaram para a bibliotecária dar o visto de saída.
Logo, fiquei absolutamente só e deslumbrado diante da imensa quantidade e variedade de obras literárias. A maioria mostrava capas com belas ilustrações onde se via príncipes, fadas, castelos... Diante de tanta beleza e magia, desliguei-me da realidade. Algum tempo depois, deparei comigo transportando uma enorme pilha de livros. Não sei quanto tempo ali permaneci. Satisfeito, posicionei-me em frente de Dona Gertrudes. Ao ver a quantidade, ela arregalou os olhos de surpresa e admiração. Em toda sua vida profissional, jamais um aluno escolhera tantos livros de uma só vez. Sorrindo e ainda espantada pelo meu exagerado apetite por livros, tirou a pesada pilha de minhas mãos e pôs sobre a mesa. Assumindo uma postura maternal, disse com suavidade:
- Querido! Não é permitido aos alunos retirarem tantos livros de uma só vez. Normalmente, são dois volumes,no máximo, por estudante.No seu caso, vou permitir a retirada de quatro livros.
Ainda perplexa pelo ocorrido, Dona Gertrudes beijou-me com admiração, depois me pegou pela mão e me levou para a sala de aula.
A partir desse dia, nunca mais parei de ler, embora meu focoprincipal continuasse sendo desenho e pintura.
Em Santa Maria da Vitória não havia professores de artes plásticas, portanto, meu trabalho era feito de forma autodidata.
Terminei o curso primário e, não tendo opção para prosseguir estudando, dediquei-me de vez às artes plásticas, trabalho que eu fazia durante o dia. Os livros eu lia à noite.
Em setembro de 1956, Dona Rosa me convidou para ir com ela para São Paulo. Lá eu teria as condições necessárias para estudar desenho e pintura.
Após a concordância dos meus pais, deixamos a cidade de Santa Maria da vitória rumo à grande metrópole.
Depois de anos de estudos e exposições coletivas, em 1974, realizei minha primeira exposição individual.
Em setembro de 2000, lançamos o livro de arte O Inventário do Cotidiano, um sonho a muito tempo acalantado, fruto de fé, trabalho e perseverança.
Acreditei que chegara ao fim da jornada, publicaria um livro de arte e me tornara um artista conhecido.
Estava enganado. Deus enviou outra mensagem de luz. Eu conto.
No primeiro semestre de 2001, o Colégio de São Bento adotou o livro O Inventário do Cotidiano. A seguir, me convidou para expor algumas obras, com tarde de autógrafos e palestra para os pais, alunos e convidados especiais.
Uma grande honra. Afinal, tratava-se de um instituto educacional de tradição e prestigio em São Paulo. Era necessário, portanto, tomar alguns cuidados. Preparar o texto de abertura. Peguei os manuscritos e me dirigi a uma copiadora. Nesse trajeto, passei em frente à casa da professora Adozinda Khulmann, amiga, incentivadora e colecionadora de minhas obras.
Ao ver-me, não se conteve, foi logo acenando, pedindo a minha presença. Vendo os manuscritos, quis saber do que se tratava. Falei. Admirada, pediu para ler. Ao concluir, disse que estava ótimo e que eu tinha talento para escrever.
Sendo Dona Adozinda extremamente culta e excelente professora de língua portuguesa, o elogio foi significativo.
Aos 17 anos de idade, eu já havia lido mais de 700 livros. Naquele momento, já ultrapassara os 2000. Houve, portanto, desde a infância, um entrelaçamento de desenho, pintura e literatura que eu não percebera.
A amada professora concluiu a leitura, depois sugeriu que eu escrevesse um conto para melhor avaliação por parte dela. Acostumado a enfrentar as adversidades, nunca pecando por omissão, aceitei o desafio e escrevi a primeira história Os desígnios de Deus. Dona Adozinda leu, gostou e incentivou-me a continuar.
Escrevi vários episódios na minha vida, mais o texto autobiográfico A realização de um sonho. Não satisfeita, a mestra pediu mais. Guardei a paleta e os pinceis e rumei para o mundo encantado da literatura infanto-juvenil.
Quando retornei a pintura, dois anos haviam se passado. Nove contos foram escritos, sendo um deles O Arqueiro de Prata, que agora vem a público.