Viagem - 2019

As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória

Cristóvão José Zygmunt Wieliczka

Ilustração: Nadime Boueri

Fotos de: Nadime Boueri, Marco Athayde de Oliveira e do autor









...e o garçom, se aproximando, me acordou dizendo...

- Não sei se li em algum lugar ou alguém me disse:
"A carranca quando é vista da terra, no espelho das águas, parece que se move, parece que tem vida." Estes registros são o resultado de minha terceira e mais recente viagem a Santa Maria da Vitória: de 22 à 29 de junho de 2019. Passei uma semana convivendo com pessoas muito interessantes, e inspirado por essa gente simpática, tão genuinamente brasileira, pelos dias quentes de céu azul nessa cidade baiana banhada pelo Rio Corrente, me dediquei a escrever esta aventura-ficção, com alguns pingos de verdade.

Agradecimentos

Agradeço pelo carinho com que fui recebido em Santa Maria da Vitória por ocasião da III FLIT – Feira Literária em 25 e 26 de junho de 2019 e comemoração pelos 110 anos do município com esse nome.

Renato Rodrigues Leite Junior
Valdeci Augusto de Oliveira
Thais Nogueira Oliveira
Júnio Guarani
Adnil Novais Neto
Hermes Novais Neto
Maria Angélica Rosa Fagundes Laranjeira
Jairo Rodrigues da Silva
Seu Limiro e músicos
Alanne Mesquita de Souza
Antônio Nelson Oliveira de Azevedo
Cássia Evangelista
Gilson de Jesus Soares
José Roberto da Silva Neves
Maurício Silva Rocha
Diele Silva Rocha

Agradecimentos especiais

Agradeço também às esposas de muitos de vocês que calorosamente me receberam, assim como seus parentes e a todos que possibilitaram e organizaram esses dias de encontros tão proveitosos.
E não posso deixar de citar as senhoras Adozinda Khulmann (em memória) e Nadime Boueri, que, sem saberem, colocaram esse destino nas nossas vidas e graças a elas nós conhecemos.
Preciso ressaltar que foi por intermédio da senhora Adozinda Khulmann que Jurandi Assis foi incentivado a escrever e através do empenho da senhora Nadime Boueri, duas de suas obras foram compor o acervo de obras de arte do Palácio do Governo do Estado de São Paulo.

  • Sra. Marilena de Paiva Yokoyama, diretora, Jurandi Assis e o autor
    Foto de Nadime Boueri - 2011

  • As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 1


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória

    Num agradável fim de tarde ensolarado de junho, sentado num banco de jardim, na Praça do Jacaré, distraído, pensando na vida, olhando para as águas do rio que vem de lá de cima, detrás da passarela, meus olhos acompanhavam a correnteza como se eu estivesse num barco sonhando e descendo o rio...

  • Santa Maria da Vitória - Praça do Jacaré
    Estátua em homenagem ao remeiro
    Foto do autor - 2019

  • ... Levei um susto quando alguém me perguntou:
    - O que faz aqui?
    Era o Zé da canoa. Pessoa simples e boníssima. Um tipo da terra. Pele morena, queimada do sol. Chapéu de palha na cabeça. Camisa desabotoada. Calças surradas com barras dobradas, seguras por uma cordinha fazendo vez de cinto. Descalço e com os pés sujos de barro.
    - Estou de passagem. Vim para a festa da cidade.
    - E o pintor e escritor? Onde está?
    - Ficou em São Paulo.
    - E porque não veio?
    - Tem problema.
    - Não me diga? Está doente?
    - Não.
    - Então qual é o problema?
    - Oitenta anos. Respondi.
    Zé levou um tempo para entender e depois caiu numa gargalhada.
    - E você, Zé? Tudo bem com você?
    Zé parou para refletir como que enfeitiçado pelo lugar, apreciando o por do sol e seu reflexo nas águas do rio.
    - Sim. Respondeu ele lentamente. Tudo velho. A vida passando... Os netos crescendo... E a correnteza do rio levando nossos sonhos e amores embora.

  • "Rio Corrente I"

  • Fiquei viúvo.
    Fiquei surpreso e disse:
    - Não me diga! Como foi?
    - É a vida, meu amigo. Deus a levou. Certa manhã, voltando da roça, notei o casebre fechado e não senti o cheiro de café no ar. Entrei apressado, chamei por ela e só ouvi em resposta o silêncio do lugar e o latido dos cachorros. Fui até o quarto e a encontrei deitada, dormindo. Dormindo para sempre. Fiquei parado, encostado no batente da porta por um bom tempo. Depois tomei coragem e a arrumei. Rapaz, como foi difícil. Uma vida se foi. Parte da minha vida se foi. Ajoelhei ao seu lado e chorei. Nunca imaginei que isso doesse tanto. Pedi perdão por todos os meus pecados e agradeci por ela ter-me aguentado por todos esses anos. Quarenta anos! Quatro filhos... Seis netos... Foi um enterro bonito. A cidade toda estava presente, inclusive as autoridades. Quando o padre falou, chorei.


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 2


    Naquele momento vi uma lágrima escorrer pelo seu rosto seguindo o caminho de uma ruga até parar na ponta do queixo e cair.
    Zé virou-se para um lado e enxugou o rosto no ombro da camisa.
    Em seguida deu um longo suspiro e falou:
    - Estou indo para um vilarejo a meio caminho do Velho Chico. Amanhã vou para Bom Jesus da Lapa. Preciso comprar uma rede nova. A minha está muito velha e emaranhada. Quer vir comigo fazer companhia e passear?
    - Mas agora, de noite?
    - Sim. A noite estará clara nesta época do ano. Dá para descer o rio e amanhã subiremos até a Lapa. Depois retornamos ou se quiser você volta de van.
    Eu pensei. Não tinha nada o que fazer e nem no dia seguinte. As festividades começariam somente na terça-feira.
    Corri até o hotel avisar o gerente, peguei uma jaqueta de couro e num instante estávamos nós dois dentro da canoa descendo o Rio Corrente.
    Uma robusta canoa de cedro.
    Zé assumiu a proa e eu fiquei na popa quase que deitado, olhando para o céu.
    Depois da curva do rio, Santa Maria da Vitória não estava mais às nossas vistas.

  • "Rio Corrente II"

  • Escurecia, era aquela hora mágica do dia.
    Nem dia nem noite.
    No céu, bem longe, lá em cima, parecia que alguém acendia as estrelas uma a uma e com o surgimento do clarão de uma grande lua cheia, a magnífica luz da noite e seus mistérios nos envolviam.
    Com a proa sob a proteção de "Toró", carranca entalhada em madeira, obra do neto de Guarany, descíamos o rio tranquilamente e Zé ia direcionando a canoa habilmente com sua experiência de uma vida em contato com o rio.

  • Junio Guarany assinando "Toró"
    Foto do autor - 2019

  • Apenas o barulho da correnteza e de uma ou outra ave se ouvia no trajeto.
    As margens não ficavam muito distantes. Às vezes nuas, permitindo ver ao longe e às vezes repletas de vegetação com plantas invadindo o rio, causando certo desconforto, pois não sabíamos o que elas escondiam.
    Podia ser uma grande cobra ou um jacaré. Nunca se sabe.
    De vez em quando eu olhava para trás com a desconfiança de que algo nos seguia.
    Impressão minha.

    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 3


    No percurso não se falava nada.
    Ao mesmo tempo em que o trajeto era monótono, era tenso, pois tínhamos que estar atentos o tempo todo para um eventual imprevisto.
    E não é que isso aconteceu!
    Na fração de segundo que Zé se distraiu a correnteza levou a canoa para um banco de areia e levamos um tranco.
    - Que susto! Eu disse.
    - Desculpe. Disse Zé.
    - O que aconteceu? Perguntei.
    - Me distraí. Fui olhar para a margem do rio achando que era um jacaré e não era nada. Apenas sombras da noite nos iludindo e metendo medo.
    Arrepiei. E se fosse de verdade um jacaré? Ainda bem que temos o "Toró". As figuras de proa foram criadas justamente para isso, há muito tempo atrás, para espantar animais perigosos, afugentar maus espíritos, tempestades e naufrágios e para dar sorte.
    Guarany que o diga das tantas que fez.
    E desta vez foi sorte. Nada de mais aconteceu.
    Passado um tempo chegamos ao vilarejo.
    Zé amarrou a canoa num toco e descemos.
    Antes passou a mão na cabeça de "Toró".
    Dei alguns passos, parei e olhei para trás.
    Parecia que "Toró" olhava para mim.
    - Então! Vamos? Disse Zé.
    - Hã! Sim... Sim... Vamos.
    Continuamos andando para dentro do mato por um caminho estreito sob a luz do luar.
    Eu não tinha a menor idéia de onde estava.
    Usar o celular nem pensar. Sem chance. Sem sinal.
    Continuamos andando e ouvimos cachorros latindo e se aproximando.
    Zé parou e disse:
    - Chegamos a Porto Novo.
    Parei e logo avistei um velho casebre de taipa, surrado pelo tempo e com telhado de sapê.
    Porta e janela fechadas e um fio de fumaça saindo de uma chaminé lateral.
    Zé se aproximou do casebre e gritou:
    - Óh de casa!
    Logo se ouviu uma voz dizendo.
    - É você, Zé? Vamos entrando.
    Segui Zé e entramos no casebre.
    Sentando numa cadeira de balanço estava um velho envolto num cobertor com mãos trêmulas, pitando um cachimbo.
    Zé foi até ele, segurou sua mão, cumprimentou e beijou sua testa.
    Percebi que o velho mal enxergava.
    - Benção, pai! Disse Zé.
    - Benção, filho!
    - Pai, quero apresentar um amigo que mora em São Paulo.
    - Onde está? Perguntou o pai.
    Zé pegou na minha mão e a encostou na mão do pai, fazendo com que eu o cumprimentasse.
    Instantaneamente colaborei com o gesto e disse:
    - Muito prazer!...
    Naquele momento olhei para Zé querendo saber o nome de seu pai.
    Zé entendeu e sussurrou...
    - Tônho.
    - Prazer, seu Tônho! Tudo bem, seu Tônho?
    - Hã. Tudo bem?... Tudo bem nada, meu filho... Estou velho e quase cego... Mal ouço e você me pergunta se está tudo bem?
    Antes que eu ficasse constrangido com a resposta, Zé intercedeu dizendo:
    - Não ligue para ele, não. Ficou velho e rabugento. E então, pai. Já jantou?
    - Sim. A Teresinha passou por aqui e me serviu uma sopa.

    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 4


    - Que bom.
    - Pai, eu trouxe batatas, cebolas, cenouras e tomates. Estamos indo de manhã cedo para Bom Jesus da Lapa. Na volta pesco um dourado e deixo para o senhor. Peça para Teresinha lhe fazer uma caldeirada.
    Nesse momento Tônho perguntou:
    - Onde mesmo é que mora seu amigo?
    - Mora em São Paulo. Disse Zé.
    - O senhor conhece São Paulo? Perguntei.
    - Infelizmente nunca fui para São Paulo nesses oitenta anos de vida. Como é São Paulo?
    E agora? Como responder? Como explicar como é São Paulo versus um casebre perdido no meio do mato?
    - Bem. Eu disse. Difícil explicar. A cidade de São Paulo é gigantesca.
    E aí tive uma idéia muito... Talvez sem graça e disse:
    - É como comparar uma pessoa com um fio de cabelo na cabeça e um cabeludo.
    Tônho caiu numa gargalhada.
    Eu olhei para Zé, que ria também.
    Nesse momento Zé colocou uns gravetos sob o fogão a lenha, deu uns sopros, reavivou o fogo e disse:
    - Vou requentar o café. Aceita um pedaço de rapadura?
    Como não aceitar, pensei. Na verdade não tinha pensado no jantar. Não contava com isso. Lá se foi meu camarão e salada acompanhados de suco de abacaxi com hortelã do restaurante à beira do rio, em Santa Maria da Vitória.

  • "Sonho de Refeição"


  • Enfim, beber um copo de café e uns pedaços de rapadura é melhor que nada. Enquanto o café requentava fiquei olhando o casebre: uma peculiaridade, na verdade um barracão, quatro cadeiras de balanço, uma cama de solteiro com uma pilha de cobertores e uma rede armada num canto. No centro uma mesa e três cadeiras. Na parede, duas antigas fotografias de família emolduradas e uma reprodução da Santa Ceia, desbotada pelo tempo. Encostado numa das paredes, um armário de duas portas com um espelho quebrado. Sobre o fogão à lenha, uma chaleira e a caneca de café. No chão, um gato dormindo e uma pilha de gravetos. Em outra parede, dependuradas em improvisados ganchos, duas panelas e uma frigideira e uma pequena prateleira com pratos e talheres. Sob a prateleira, uma pequena pia. No teto, ao centro, uma lâmpada acesa que mal iluminava o ambiente. O piso de terra batida. Ao lado da porta, uma gaiola vazia. Tudo refletia a ocre.
    Depois perguntei para que tantas cadeiras de balanço.
    Zé respondeu:
    - Os amigos dele são todos idosos. Se deixarmos em cadeiras comuns eles correm o risco de cair. A cadeira de balanço é mais segura.
    Acenei com a cabeça fazendo sinal que entendi. Particularmente jamais poderia imaginar uma coisa dessas. É, a velhice sem saúde não é recomendável.
    Sentei-me numa cadeira de balanço. Zé serviu o café requentado e um pedaço de rapadura e sentou-se também.
    Assim que terminei, levantei-me e deixei a caneca sobre o fogão. Zé se levantou e me deu um cobertor. Ele voltou a se sentar e se cobriu também. Ficamos conversando até adormecer.
    Eram seis horas da manhã quando o barulho do latido dos cachorros nos acordou.
    Fazia frio. Muito frio. Olhei ao redor. O fogo tinha apagado. Os quatro vidros da única janela estavam embaçados. Levantei-me da cadeira. Espreguicei-me. O cobertor caiu no chão e o peguei. Zé se levantou e foi ver seu pai. Os dois se entreolharam e sorriram. Zé deu um beijo na testa do pai e foi até o fogão, varreu as cinzas, colocou gravetos novos e acendeu o fogo. Colocou água para ferver. Eu fui até a pia lavar as mãos e passar uma água no rosto.
    Zé saiu e deixou a porta aberta, foi até um casebre vizinho. Enquanto isso, dois cachorros entraram e se deitaram aos pés de Tônho. Zé retornou em instantes com um embrulho nas mãos. Abriu e colocou três pãezinhos sobre a mesa. Quando a água ferveu, passou um café de coador e nos serviu. Ajudou seu pai a se levantar da cadeira de balanço e o colocou ao nosso lado, na mesa. Tomamos café, cada um comeu um pãozinho.
    Estávamos terminando de tomar o café quando uma mulher entrou e perguntou:
    - Como vai, seu Tônho?
    - Bom dia, Teresinha! Disse Tônho.
    - Bom dia! Dissemos quase que juntos em seguida.


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 5


    Zé logo foi me apresentando a Teresinha, uma mulher de idade, magra, bem ativa e bem humorada.
    - Então o senhor é de São Paulo. Ela disse.
    - Sim. Respondi.
    - Estive em Aparecida há muitos anos atrás, numa romaria.
    - Interessante. E gostou?
    - Muito. Ela respondeu.
    - E conheceu a cidade de São Paulo?
    - Não, Só conheci o bairro da Penha e a Igreja de Nossa Senhora da Penha. Muito grande e bonita. Minha irmã mora bem perto da igreja.
    - Legal. Respondi.
    Nesse momento Zé interferiu dizendo que era hora de seguir nosso caminho. Deu um beijo no pai e acenou para Teresinha.
    Antes pegou um chapéu de palha, me deu e disse:
    - Pegue. Vai precisar.
    Despedi-me de Tônho e de Teresinha e retornamos para a canoa.
    O sol já tinha se levantado e o frio estava indo embora.
    Chegando à margem, Zé desamarrou a canoa e entramos. Ele deu duas remadas e disse:
    - Vamos embora "Toró", temos muita água pela frente.
    Eu me acomodei na popa e assim que a canoa se alinhou com a correnteza, com o sol batendo no meu rosto, coloquei o chapéu na cabeça e no embalo das águas, adormeci...
    Adormeci e sonhei que estava andando por Santa Maria num outro tempo. Um tempo em que muitos personagens se misturavam. Um tempo em que Guarany esculpia suas carrancas e Paulo Pardal o entrevistava e fotografava, Jurandi com seus amigos nadavam no Corrente e soltavam pipas no campo de futebol atrás da escola. Dona Rosa levava crianças para a igreja Presbiteriana e grandes barcos, com suas figuras de proa, atracavam e descarregavam mercadorias trazidas do nordeste. O "Almirante", o "Minas Gerais", o "Ubirajara" e tantos outros. Passou-me também em sonho Osório Alves de Castro, lá em Marília, entre tesouras e tecidos, escrevendo no seu "Porto Calendário"... "a Tia Gatona que sem ter para onde ir, arranjou-se na Casa dos Bexiguentos"... (frase do livro).
    Acordei com um berro do Zé.
    - Acorda, homem de Deus!
    Levei um susto e só então percebi o que aconteceu. Adormeci. Sonhei. Zé me acordou.
    - Acorda! Temos de trocar de embarcação. A canoa não sobe o rio hoje. A correnteza está muito forte. Choveu rio acima. Está descendo muita água...
    Vamos!
    Levantei e percebi que estávamos na margem direita do Corrente, na frente do grande São Francisco. Saí da canoa e fomos andando em direção a uma embarcação maior. Entre as duas embarcações, um caminho lamacento. Meus sapatos ficaram logo empapados e, como se não bastasse, num trecho do caminho, ao dar um passo, um pé ficou enterrado. Não teve jeito. Tive de enfiar a mão para retirar o sapato. Que mer....! Eu, que vim todo arrumadinho, estava um lixo enquanto Zé, descalço, pisava com tranquilidade naquele solo que lhe era conhecido. O barro mole passava pelos dedos dos seus pés e às vezes subia acima do calcanhar. Que caminhada! Ah! Se eu contar isso para uns granfinos em São Paulo. Uns não vão acreditar, outros nem vão querer ouvir. O relógio do celular marcava quase dez horas. Quanto a sinal? Nem pensar! Antes de entrar no barco, uma sorte. Avistei uma torneira no ancoradouro. Bendito seja quem teve essa idéia! Zé tinha lavado seus pés e eu lavei o que pude. Sapatos, meias, barras da calça, jaqueta e mãos. Eu estava todo molhado, porém de certa forma limpo e o sol iria secar minha roupa num instante. Entramos no "Ilhabela".

  • Junio Guarany com sua obra "Ilhabela"
    Foto de Marco Aurélio Athayde de Oliveira - 2011


  • Um barco grande. Na proa uma carranca. Eu fiquei observando e me parecia uma cabeça de cavalo. Às vezes, não. A bordo, dois casais e três crianças fazendo algazarra. Duas cabras e um bode. Duas gaiolas. Uma com seis galinhas e outra com um galo. Uma grande caixa de madeira com um porco. Antes do piloto do "Ilhabela" ligar o motor, ouvimos alguém gritando:
    - Esperem por mim! Esperem por mim!
    Era um padre, baixinho, gordo, todo ofegante e sujo de barro.
    Olhei para ele e do nada, ele disse:
    - Na Lapa me lavo.
    E eu disse, à moda do interior:

    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 6


    - Bênção, padre! Tudo bem? Bom dia!
    - Bom dia! Ele respondeu. E ficamos quietos.
    Acho que ele estava irritado com a batina toda suja. Ou será que tinha cometido algum pecado? Sabe-se lá...
    De repente Zé soltou o barco que estava preso a uma estaca e pulou para dentro.
    O piloto deu um grito:
    - Vamos embora! Que Deus nos proteja! Vamos para Lapa!
    Em seguida, ouvimos um barulhão: o "Ilhabela" com seu ronco mostrou a potência do seu motor e começamos a subir o Velho Chico, rumo a Bom Jesus da Lapa.
    Cada um se ajeitou num canto.
    Zé ficou conversando com o piloto e eu fiquei na popa, observando.
    Foi bom Zé me emprestar o chapéu. Senti o sol queimando minha pele.
    Durante o percurso paramos duas vezes. A primeira para uma das crianças fazer suas necessidades. Quando o "Ilhabela" atracou num pequeno vilarejo ela desapareceu por uns momentos e foi se enfiar no meio de uma vegetação. As outras crianças ficaram espiando. Ninguém falou nada.
    Na segunda vez o piloto atracou num vilarejo maior. Pediu para Zé ajudar e os dois desceram com a gaiola das seis galinhas e a gaiola do galo. Em terra, duas mulheres e um menino aguardavam. Pegaram as gaiolas e desapareceram.
    O motor do "Ilhabela" voltou a roncar e continuamos subindo o rio.
    Nesse último trajeto, até chegar à Lapa, a correnteza sossegou e o piloto reduziu bastante o motor, fazendo com que todos ouvissem as crianças cantando...

    "Com a carranca na proa
    Eu vou e volto vivo
    Com a carranca na proa
    Eu subo e desço o rio
    Não há jacaré que me assuste
    Não há sombra que me atormente
    Com a carranca na proa
    Eu vou e volto vivo
    Com a carranca na proa
    Eu subo e desço o rio
    Nada me assusta
    Nada me atormenta
    Com a carranca na proa
    Eu subo e desço o rio
    Não há jacaré que me assuste
    Não há sombra que me atormente
    Eu vou e volto vivo"


    Nota: A letra da canção é do autor.

    E assim chegamos a Bom Jesus da Lapa. Na saída, por descuido, os dois homens deixaram a caixa com o porco cair no chão. Ela quebrou e o porco saiu correndo pela beira do rio. Uma cena muito engraçada. O porco corria de um lado para outro e os homens, desesperados, atrás, sem saber para que lado ir. Enquanto isso, as mulheres gritavam e xingavam. As crianças riam sem parar. O piloto teve uma presença de espírito e com uma rede de pesca foi ajudar os homens, que já estavam rendidos de tanto correr. Eu fiquei de pé na proa, observando. Zé não se manifestou e disse:
    - Veja, o porco está indo para aquela ponta de areia. Vai ser fácil de pegar.
    E foi o que aconteceu. Em seguida cada um foi para seu lado.
    Caminhamos em direção a cidade e eu com uma fome danada.
    A primeira coisa que fiz foi perguntar a Zé onde iríamos almoçar.
    - Calma. Ele respondeu. Logo mais.
    Acreditei e o segui. Eu não tinha opção. Ele era meu guia.
    Andamos pela margem do rio em direção à cidade uns dois minutos. No percurso se via a ponte e a marca da água nas suas colunas. Me impressionou a altura da marca e me perguntei de onde vinha tanta água.
    Enfim, Bom Jesus da Lapa.
    Segunda-feira. Um agito. Homens, mulheres, crianças, bicicletas, motos, carros, vans, carroças, caminhões.
    Todos em circulação. Barraquinhas de vendedores de pipoca, cachorro quente, pastel e caldo de cana e eu...
    ...com uma fome danada.
    Entramos por uma avenida com muitos caminhões estacionados. E vi um grande galpão. O mercado.
    ...hum... Comida!

  • Mercado de Bom Jesus da Lapa
    Foto do autor - 2019


  • As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 7


    Zé não parou, para meu azar.
    Andamos uns duzentos metros e viramos numa travessa. Logo me deparei com uma loja de armarinhos daquelas que tem de tudo, a um precinho bem razoável, tipo zero noventa e nove.
    Assim que ele parou na porta, ouvimos alguém dizendo:
    - Bom dia, Zé!
    - Bom dia, dona Maria!
    - Então! O que conta de novo?
    - Tudo de velho. A senhora sabe. Fiquei viúvo.
    - Sim. Fiquei sabendo. Pêsames.
    - Obrigado.
    - Vai casar outra vez?
    - Sei não... Talvez... Quem sabe o que o destino me reserva.
    - Diga lá! Posso ajudar?
    - Vim comprar uma rede.
    - Pode escolher.
    - E quem está com você?
    - Ah! Este é meu amigo de São Paulo.
    - São Paulo? Conheço muita gente de lá. Muita gente do bairro de Santo Amaro. Eles vêm aqui na virada de julho para agosto na romaria.
    - É a primeira vez na Lapa? Ela me perguntou.
    - Sim.
    - Então, por favor, Zé, não deixe de levá-lo na gruta. Não é todo dia que alguém de São Paulo tem a oportunidade de estar aqui.
    Gostei do ouvir, realmente uma oportunidade imperdível, mas... Eu estava com uma fome de torcer o estômago. Em meio à confusão de clientes entrando e saindo da loja e a nossa conversa, perguntei de novo para Zé quando iríamos almoçar. Ele riu e disse:
    - Agora.
    - Agora? Como assim?
    - Dona Maria, meu amigo está morrendo de fome. Ainda estão servindo almoço?
    - Sim! Vá lá no fundo. Você sabe o caminho. Vão lá almoçar, que depois a gente continua a prosa.
    - Venha. Disse ele. Vamos almoçar.
    Finalmente! Segui Zé, que caminhava por um corredor estreito até o fundo da loja e saímos numa garagem. Era um boteco. Um local de refeições. Um cheiro de peixe frito imediatamente me atraiu e despertou ainda mais meu apetite. Tomei a liberdade de ir até uma pia lavar as mãos e molhar o rosto. No balcão, tirei um pedaço de barbante de um rolo que estava ao meu alcance e amarrei em dois pontos do meu chapéu de palha.
    Assim livrava as mãos e pude ficar com ele jogado às costas. Nos sentamos e Zé pediu um refrigerante litro. Não tinha cardápio e eu estava meio que desorientado. Não demorou muito e uma menina nos trouxe a garrafa de refrigerante e dois copos.
    - Aqui não tem escolha. Disse Zé. É comer o que servem.
    - Tudo bem. Eu disse.
    A menina retornou. Colocou sobre a mesa dois pratos, dois garfos e duas facas e em seguida foi trazendo em pequenas travessas de alumínio, arroz, feijão, feijão de corda, farinha, salada, e finalmente o tão esperado pelo meu estômago: o peixe frito.

  • "O peixe frito"


  • Sem cerimônia nenhuma, depois de beber um copo do refrigerante, peguei com as mãos um peixe frito e comi. Na verdade devorei, com a fome que eu estava. Quando terminei com o terceiro peixe, me servi do restante que estava na mesa.
    Zé comia com tranquilidade e quando parou, depois de beber um copo de refrigerante, disse:
    - Você estava com fome, hein!
    - Não estou mais! Está tudo uma delícia.
    Limpei minhas mãos num guardanapo de papel. O que não adiantou muito. Acabei esfregando as mãos no jeans. Respirei fundo e depois de saciado, fui observar em detalhes o lugar onde estávamos. Um boteco improvisado no fundo da garagem da casa, que virou loja. Piso vermelhão. Paredes caiadas. Uma pia. Um velho fogão a gás de seis bocas. Um balcão. Uma geladeira. Um forno de microondas. Seis mesas de tampo de pedra e umas vinte cadeiras. Na porta da rua uma placa anunciando as refeições. Ao lado um cachorro deitado, olhando para os lados na esperança de receber algo para comer.
    No boteco éramos nós e mais três pessoas. Cada uma numa mesa. Duas delas com celulares nas mãos. Foi aí que me dei conta de que podia navegar e mandei um recado em forma de símbolo, para São Paulo. Logo veio a resposta. Isso me alegrou. Em seguida a menina retirou os pratos e nos trouxe umas laranjas. Zé e eu comemos em silêncio. Na saída fiz questão de pagar a conta. Uma quantia de dinheiro que mal pagava um couvert num bom restaurante em São Paulo.
    Voltamos à loja, dando a volta pela rua e palitando os dentes. Foi nesse caminho que notei o quanto estava sujo e Zé descalço, sem dar a mínima para a sua aparência. É verdade que o mundo das cidades grandes, pelas suas características nos leva a usar outras vestimentas e eu percebi em Zé, na sua simplicidade, a sua liberdade de viver. Longe de todas essas formalidades. Ele não estava nu. Mas demonstrava uma liberdade de causar inveja. Senti isso e comecei a não me importar muito com meu próprio estado. Mesmo porque não tinha ninguém naquele local para me criticar, e era bom me sentir simples assim.
    Quando ele entrou na loja, dona Maria veio falar comigo e repetiu:
    - Então o senhor é de São Paulo?
    - Sim.
    - De que lugar de São Paulo?
    - Santo Amaro!
    - Oras, vejam só! De onde vêm centenas de romeiros nos visitar!
    Eu não tinha essa informação. Simplesmente respondi:
    - Sim.
    - Muito bem. Disse ela. Então não deixe de vir aqui no final do mês que vem que o senhor vai ver um maravilhoso espetáculo. E se me confirmar, eu lhe reservo um cômodo, pois se não garantir não vai ter onde dormir. É bom vir lá pelo dia vinte e cinco.
    Agradeci e disse que ficaria para outra ocasião.
    Ela me deu o cartão da loja com seu nome e telefone.
    Zé pegou uma rede. Pagou. Dona Maria fez um embrulho.
    Quando ela ia entregar, ele disse:
    - Dona Maria. Vamos até a gruta e eu não quero ficar carregando a rede. Deixo aqui com a senhora, que na volta eu pego.


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 8


    - Certamente! Bom passeio.
    Nos despedimos e saímos.
    Fui seguindo Zé, que me levava para conhecer a gruta. A cidade estava toda enfeitada com bandeirinhas para as festas juninas. Uma beleza.

  • Praça da antiga Prefeitura - Bom Jesus da Lapa
    Foto do autor - 2019


  • Gosto de cidades menores, pequenas e pitorescas. Anda-se muito a pé. É tudo perto. Andamos pela Avenida Doutor Manoel Novaes até a praça da antiga prefeitura, atravessamos a praça toda enfeitada com bandeirinhas e entramos na Rua J.J. Seabra, andando até a Praça do Livro. Paramos para eu ler uma placa no meio da praça:

    Monumento ao Livro
    O primeiro que se construiu no Brasil – 1952,
    por iniciativa do professor Antonio Barbosa.
    Destruído em 1957, foi restaurado pela
    Prefeitura Municipal de Bom Jesus da Lapa
    na administração Dr. Hildebrando Magalhães
    Albert Guedes sendo Secretário Municipal de Obras Públicas o professor Antonio Barbosa Em 31 de maio de 1985.


    Em seguida fomos adiante e saímos na Praça da Bandeira. De muitos pontos deste trajeto se via o grande morro de calcário, porém da praça era notório o seu tamanho. Atravessando, parei numa barraquinha e comprei, por um real, dez fitinhas coloridas com a inscrição: "Lembrança de Bom Jesus da Lapa". Seguimos em frente e na entrada da gruta me deparei com uma placa com os dizeres:

  • Entrada da gruta de Bom Jesus da Lapa
    Foto do autor - 2019


  • HISTÓRIA DO SANTUÁRIO DO BOM JESUS DA LAPA

    "A gruta foi descoberta em 1691, pelo português Francisco Mendonça Mar, que viajou de Salvador às margens do rio São Francisco, aos pés do morro Itaberaba. Lá dentro, encontrou uma cavidade ideal para colocar a cruz que trazia e ai começou uma vida de eremita. No ano de 1702, a pedido do arcebispo da Bahia, dom Sebastião Monteiro da Vide, foi a Salvador preparar-se para o sacerdócio. Sendo ordenado como Padre Francisco da Soledade, voltou à Lapa onde viveu até 1722.
    A cidade de Bom Jesus da Lapa começou sua existência à sombra do Santuário de Bom Jesus. Na data em que o Monge chegou, havia entre o morro e o Rio São Francisco apenas algumas palhoças de índios Tapuias. Mas, com o tempo, foram morando perto do lugar, onde se achava a imagem do Bom Jesus. Graças às constantes peregrinações que se transformaram em permanentes romarias, o povoado foi crescendo, tornando-se Vila em 1870, sendo emancipada em 31 de agosto de 1923 pelo Governador J.J. Seabra (SEGURA, 1937,P.35).
    Margeando o Rio São Francisco, bem no sertão baiano; ai é que se localiza o Santuário do Bom Jesus da Lapa. Vê-se imponente, um maciço de calcário, de 90m de altura, recortado em galerias e grutas. De cor cinzenta, o penhasco carrega em si a vegetação comum da região castigada pela seca. O morro parece um retalho de montanha calcária, isolado no meio de uma planície, com a base quase dentro da água e a margem coroada de cactos, bromélias de espinhos e minaretes de formas diversas. Nele se encontram várias grutas: a do Bom Jesus com 50m de comprimento, 15 de largura e 7 de altura; a da Soledade, maior em extensão ( com mais de 1.000m2 ) e, além disso, para admiração dos romeiros e visitantes, existem outras lindas grutas menores ( KOCK, 1988, p 62).

    Entramos na gruta.
    Imagens de santos para todos os lados. Continuamos andando e um grande espaço se descortinou à nossa frente. Pasmem! Uma igreja inteira dentro da montanha, com altar e bancos! À direita, ao fundo, uma abertura natural fazendo vez de uma grande janela, de onde se avista a ponte sobre o rio.

  • Igreja dentro da gruta do Bom Jesus da Lapa
    Foto do autor - 2019


  • Eu olhava para os cantos e para cada lado percebia uma passagem para uma nova gruta. Zé sabia o nome de todas elas e foi me falando: a do Bom Jesus, Nossa Senhora Aparecida, Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora da Soledade, São Geraldo, Sala dos Milagres, Nossa Senhora Madalena, Santa Luzia, São Francisco de Assis e a da Água dos Milagres.
    Disse que há, ainda, duas grutas de acesso externo: a da Ressurreição, que abre em ocasiões especiais e a gruta de Belém, que fica na Avenida Manoel Novais, em frente ao Colégio São José.
    Quando estávamos de saída, na gruta onde está o crucifixo do Bom Jesus, percebi uma gota se formando em uma estalactite.


  • Estalactites dentro da gruta do Bom Jesus da Lapa
    Foto do autor - 2019


  • Fiquei bem em baixo e a deixei cair sobre minha cabeça como que se Bom Jesus estivesse me benzendo e fiz um pedido. O pedido que ultimamente eu sempre faço. Quando saímos, Zé me perguntou;
    - Então? Volta comigo ou volta de van?
    - Se você não se importar, volto de van.
    - Sem problemas. Fique à vontade e curta a cidade.
    - Obrigado. Na terça feira a gente se encontra na festa em Santa Maria da Vitória. Estarei na Praça do Jacaré perto da Biblioteca Professora Maria de Lima Athayde.
    - Com certeza a gente se encontra. Até lá, então!...
    Quando Zé foi embora fiz o mesmo caminho da vinda e parei na Praça do Livro. Achei aquilo muito interessante. Um lugar daqueles enaltecendo o livro.
    Sobre uma pedra, uma peça de bronze representando um livro aberto. Na página esquerda lia-se um trecho do poema "O Livro e a América" de Castro Alves:


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 9


    Oh! Bendito o que semeia
    Livros... Livros à mão cheia...
    E manda o povo pensar!
    O livro caindo n'alma
    É germe – que faz a palma,
    É chuva – que faz o mar.
    E na página direita um poema atribuído a Belmiro Braga:
    Um livro aberto, parece
    Uma ave que quer voar
    E, quem lê, reza uma prece
    Ao saber, santo de altar

    Saindo da Praça do Livro retornei à Avenida Manoel Novais. Eram cerca de quatro horas da tarde. Parei na praça da antiga prefeitura e estudei a planta da cidade num painel dependurado numa banca de jornal. Tinha que estar no dia seguinte em Santa Maria da Vitória e resolvi aproveitar aquele final de tarde ao máximo. Puxei conversa com um motorista de praça e perguntei onde poderia acessar com segurança a margem do rio e ele respondeu:
    - Nessa hora do dia é melhor ir para o outro lado, onde estão os restaurantes.
    Não titubeei e disse:
    - Me leve lá, por favor.
    Entrei no carro, empurrei o assento para trás, prendi o cinto de segurança e me acomodei. No caminho fomos conversando e ele perguntou:
    - O senhor, de onde é?
    - São Paulo.
    - Puxa! É longe. Estive lá uma única vez no casamento de um primo. Mas isso faz muito tempo. Fui de ônibus.
    - Meu Deus! Deve ter sido muito demorado.
    - Ah, se foi! E o casamento foi numa igreja no Jardim São Luís.
    - Não me diga! É bem perto de onde eu moro. Realmente o mundo é pequeno.
    O taxista atravessou a ponte sobre o Rio São Francisco e me deixou na outra margem, onde havia alguns restaurantes e me recomendou o primeiro do lado direito. O convidei para comer uns petiscos, porém ele recusou. Disse que tinha logo mais uma corrida marcada e aprazamos para ele vir me buscar às sete horas da noite. Quando fiz o gesto de querer acertar a corrida daquele trecho ele se negou a receber, me deu seu cartão e disse que acertaríamos na volta. Nada pude fazer senão concordar.
    Entrei no restaurante e me sentei a uma mesa com vista para o rio tendo ao longe, do outro lado, Bom Jesus da Lapa e seu característico morro de calcário.
    À minha frente, na margem, oito grandes barcos atracados. Dois bastante inclinados, quase afundados. Na proa os nomes: "Rainha da Lapa", "Xuxa"... E não muito longe, com um característico... Toc... Toc... Toc..., vinha se aproximando o barco "Sofia".

  • "O Sofia navegando nas águas do velho Chico"


  • Tirei fotos.
    Uma moça veio atender, me entregando um cardápio. Pedi um suco de laranja enquanto escolhia algo para comer. Pedi uma porção de camarões à milanesa.
    Enquanto ela preparava meu pedido, voltei a tirar fotos. Enviei uma mensagem em símbolo para São Paulo e logo veio a resposta. Gostosa sensação de estar conectado com meu mundo. Logo em seguida a moça retornou com o suco de laranja e disse que em minutos viria meu camarão. Eu continuava apreciando a paisagem e avistei ao longe um barco navegando. Correndo os olhos pelas margens do rio descobri um pescador atirando rede e duas mulheres lavando roupa. Veio meu prato e fiquei saboreando os camarões e pensando na vida. Que contraste entre a vida agitada de São Paulo e aquela margem do Velho Chico! Fiquei imaginando como que era outrora com o "Benjamim Guimarães", o "Saldanha Marinho" e outras embarcações levando gente de Pirapora até Juazeiro. E não é à toa que o rio leva o nome de Rio da Unidade Nacional, pois atravessa o Brasil desde Minas Gerais, onde nasce, até a Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, desembocando no Atlântico.
    Saí da mesa. Desci até a margem e molhei minhas mãos. Fiz o sinal da cruz e alguns pedidos para Nosso Senhor, Santa Clara, São Cristóvão, Cosme e Damião, Pachamama e Bom Jesus da Lapa. A sorte sempre me acompanhou na vida, talvez por eu pedir muito a muitos protetores. Não abro mão desse meu ritual. Pedir nunca é demais quando a intenção é boa. E é assim que na minha vida as coisas vão acontecendo. Sorte ou destino. Prefiro pensar nos dois. De pé, na margem, fiquei pensando onde estaria Zé da canoa naquela hora. Mesmo com "Toró" o protegendo, navegar sempre implica num risco constante. Orei por ele para que Deus e sua figura de proa o protegessem. Nunca é demais.
    Voltei para minha mesa no restaurante. Pedi a conta. O motorista do taxi pontualmente chegou para me levar de volta a Bom Jesus da Lapa. Paguei a moça e rumamos para a praça da antiga prefeitura. Quando atravessávamos a ponte, olhando para o céu, as primeiras estrelas começaram a surgir e olhando para baixo, me despedia do Velho Chico. A temperatura caía rapidamente. Escurecia. Entrando na cidade, o taxista cruzou com uma van que ia para Santa Maria da Vitória. Deu meia volta na avenida e saiu atrás da van. Quando alcançou disparou a buzina do carro e deu sinais de farol até o motorista da van parar. Paguei a corrida e ele me deu seu cartão. Batista. Naquele momento guardei o cartão na carteira, com a estranha sensação de que a gente nunca mais se veria na vida. Coisas de viagem. Corri para a van, entrei e me sentei no fundo, ao lado de três senhoras. Fechei a janela. Fazia frio. Na van apenas cinco pessoas, mais o motorista. Assim que o veículo começou a andar, duas mulheres desencadearam uma conversa surreal. Uma dizia que tinha ido para Bom Jesus para se matricular de volta na escola. Olhei para ela, puxei conversa e perguntei quantos anos ela tinha.
    - Tenho quarenta, moço.
    Naquele momento me desliguei da conversa e atentei que estávamos atravessando a ponte e eu, em pensamento me despedi mais uma vez do rio e voltando à van... Como ela percebeu que eu tinha prestado atenção na conversa, continuou falando:
    - Meus filhos não me atendem mais. Toda vez que peço para eles lerem alguma coisa, eles ralham comigo dizendo para eu voltar para a escola. Hoje foi o dia. Fui me matricular na Lapa. As aulas são duas vezes por semana. Se eu aprender a ler, já me basta. Fazer conta eu sei.
    Parabenizei-a pela iniciativa e nisso outra senhora, não querendo ficar atrás, disse:
    - Eu fui fazer teste de gravidez.
    Fiquei quieto por um instante pensando como dar continuidade a esse tipo de conversa, quando a outra perguntou:
    - E aí? Está?
    - Não! Graças a Deus!
    - Também acho. Nos dias de hoje é tão difícil criar filhos... Ah! Mas me diga uma coisa. Se você estivesse grávida, de quem seria a criança?
    No meio daquela conversa delicada eu continuava calado enquanto a mulher respondia com toda calma:
    - Não sei.
    - Como não sabe?
    - Não sei e pronto! Não me irrite, eu durmo com quem quiser.
    - Poxa! Não foi isso que perguntei. Não precisa ficar brava e, aliás, devia dar graças que não está grávida.
    - Eu sei, eu sei, me desculpe. Estou muito nervosa.
    - Tá bem, não se fala mais nisso.
    A terceira mulher dormia.
    Eu continuava calado e, para minha sorte, as duas pediram para o motorista parar assim que avistasse uma banca de bananas na estrada. Isso logo aconteceu. As duas se despediram e desceram. A van continuou seu trajeto. Não havia muito que ver naquele percurso. Era noite. Cruzávamos com um ou outro veículo de vez em quando e por vezes éramos ultrapassados por algum apressadinho. Cerca de uma hora depois chegamos a São Félix do Coribe. A van parou por alguns minutos e seguiu em frente, atravessando a ponte sobre o Corrente, entrando no município de Santa Maria da Vitória. Deixou-me na porta do hotel.

  • "Santa Maria Palace Hotel"


  • Desci, paguei o motorista, agradeci e fui para meu quarto. Nem acreditava que tinha feito tudo o que fiz. Fiquei pensando no Zé da canoa, torcendo para que ele já tivesse chegado até a casa do seu pai. Lembrei que ele disse que pescaria um dourado e levaria para Tônho. Não sei como ele faria isso. Acho que ele não fez. Enfim... Me despi e fiquei deitado na cama um tempo. Depois tomei um longo banho de chuveiro. Enxuguei-me, escovei os dentes, coloquei o pijama e voltei para cama. Ouvi o barulho de rojões estourando. Certamente pessoas na Praça do Jacaré, festejando o aniversário da cidade. Gente de cidade pequena vive mais em comunidade, são mais festeiras. Adormeci com a luz do quarto acesa. Não foi de propósito. Não tenho medo do escuro. Puro cansaço... Adormeci e sonhei...
    ... Eu não reconhecia bem onde eu estava... Parecia uma biblioteca... Um bar. Mas era estranho... Tinha um rádio ligado... E uma voz me perguntou:


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 10


    - Então? Como foi sua viagem a Santa Maria da Vitória?
    - Interessante. Respondi. Encontrei Pierre Verger tirando foto de Marcel Gautherot documentando carrancas de proa do Velho Chico...
    Cenários foram se passando rápido, como num filme: Paulo Pardal entrevistando Guarany e tirando suas fotos...
    Uma pessoa me mostrando a revista "O Cruzeiro" de 1947 onde aparece uma matéria intitulada "Carrancas de proa do São Francisco"..
    . Em 1954 a mídia divulga em São Paulo, por ocasião dos festejos do Quarto Centenário da cidade, a realização da primeira exposição de carrancas no Parque do Ibirapuera...
    1956, uma reportagem documenta que não existiam mais carrancas nas proas das embarcações no Velho Chico...
    1968, Guarany é agraciado com o diploma de membro correspondente da A.B.B.A. – Academia Brasileira de Belas Artes...
    1969, Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi realizam a mostra "A mão do povo brasileiro" na inauguração da sede do MASP na Avenida Paulista em São Paulo, apresentando algumas figuras de proa e algumas carrancas...
    1974, Paulo Pardal publica "Carrancas do São Francisco"...
    1981, Comemoração do centenário de Francisco Biquiba de Lafuente Guarany...
    1985, Falece Guarany, o mais famoso carranqueiro do Brasil.
    Uma mistura de informações na minha cabeça, certamente de muita leitura. Despertei com o barulho do celular tocando. Era a recepcionista do hotel me informando que eram sete horas. Percebi que tinha sonhado. Corri para me vestir. Tomei café e me impressionou a qualidade do pão francês. Igualzinho ao das melhores padarias de São Paulo. Em seguida fui para a praça, onde se iniciariam as festividades. Encontrei cedo muitas pessoas amigas e autoridades. Hora após hora um evento diferente acontecia. Alunos das escolas públicas se apresentavam em diversas atividades. Música, dança, canto, poesia, jogral. Apresentações representando capoeira, Mestre Guarany e o artista, pintor e escritor, Jurandi Assis.
    Uma beleza de festa. A organização e os alunos foram primorosos. Esforçaram-se admiravelmente. Certamente não podemos esquecer que por detrás de tudo estavam as mães, os pais, as professoras, os professores e o poder público com seus parceiros, patrocinando a festa. Naquele dia almocei no restaurante à beira do rio e à tarde fui me encontrar com alguns amigos muito especiais. Um, o depositário do ferramental da oficina de Guarany e algumas carrancas, Jairo Rodrigues, outro, um guardador de peças antigas, Hermes. Esse, diga-se de passagem, com os seus guardados, tem um verdadeiro museu em casa. Um tipo raro de pessoa. Guarda tudo que tem valor e alguma relação com o passado. Coisas de fazenda, ferramentas, selaria, coisas de casa... Tudo o que se possa imaginar. Vira e mexe os dois tem uma reportagem no Youtube. Muito interessante. Passamos horas agradáveis conversando. À noite jantei com um amigo muito importante no mesmo restaurante uma saborosa moqueca. Aliás, um dos meus restaurantes preferidos. Conversamos longos papos. Foi muito agradável. Na saída já tínhamos nos distanciado bastante do restaurante quando ele percebeu que esqueceu seu celular. Voltamos correndo. Nem precisava. O garçom parecia que nos esperava. Quando nos aproximamos ele estava com o celular em mãos nos aguardando. Ele agradeceu e comentamos como isso nos acontece com certa freqüência e nos despedimos. Na manhã seguinte, a grande festa. Santa Maria da Vitória completava cento e dez anos de emancipação política. Missas. Cerimônias. Discursos e, de novo, eventos culturais na praça. Antes do almoço, visitei a sala do Mestre Guarany e encontrei Jairo, o guardião de ferramentas e algumas obras suas.

  • Jairo Rodrigues e o autor
    Foto de autoria não identificada - 2019


  • Em seguida presenciei o lançamento do livro "Educação e Desenvolvimento Local" de autoria do professor Valdeci Augusto de Oliveira e depois do almoço, apresentações de alunos sobre o livro "O Arqueiro de Prata" de Jurandi Assis.

  • Capa do Livro - "Arqueiro de Prata" de Jurandi Assis


  • Uma maravilha! Pena que ele não pudesse estar presente. Enfim... Oitenta anos são oitenta anos. Não é brincadeira e o percurso de Brasília até Santa Maria da Vitória não é um passeio... É uma viagem de horas de carro. Em São Paulo lhe relatarei como tudo transcorreu. Naquele dia ainda em meio a um discurso das autoridades, o poeta local foi enaltecido e convidado a declamar sua poesia...

    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 11



    Meu lugar é aqui...
    Meu lugar é aqui,
    Ao lado de Maria,
    A mais bela de todas,
    Que me seduz e abençoa,
    Que me faz mais gente,
    Aperta-me contra o peito,
    E não me deixa na rua,
    Perdido na multidão.
    Meu lugar é aqui,
    À sombra do tamarindeiro,

    Vendo o Corrente passar,
    Abraçado a Maria,
    Maria de mil faces,
    Maria feminina singular,
    Que na boca traz meu riso,
    E, no abraço mais forte,
    Meu mundo, meu paraíso.
    Meu lugar é aqui,
    Onde tenho meus amigos,
    Meus amores, meus castigos,
    Onde sinto a cor da vida,
    O frio, o sol quente, a brisa.
    Onde tenho a minha memória,
    Meus momentos sem igual,
    Ao lado de Maria:
    Santa, profana, da Vitória.


    Novais Neto

  • Novais Neto e o autor
    Foto de autoria não identificada - 2019


  • A noite aconteceu a cerimônia de entrega de troféus aos homenageados do ano. Tive o prazer de receber das mãos do Vice-Prefeito o troféu destinado a Jurandi Assis.
    Depois disso voltei ao hotel. Estava muito cansado.
    Na manhã seguinte, depois do café, fui andar pelos arredores do hotel e me deparei com Jairo sobre sua moto...

  • Jairo Rodrigues na sua moto
    Foto do autor - 2019


  • parado, numa esquina, falando ao celular. Nos cumprimentamos e eu lhe perguntei:
    - Jairo! Onde mora o neto do Guarany?
    - Logo aí. Ele disse. Está vendo aquele muro vermelho? Vire à esquerda e em seguida à direita e pronto. Na próxima esquina é a casa dele.
    Nos despedimos. Eu segui a sua orientação. Cheguei na casa e chamei em voz alta;
    - Júnio! Júnio!
    Instantes depois ele apareceu. Me reconheceu e se recordou da minha visita de dez anos atrás. Ficamos conversando um bom tempo sobre o nosso primeiro encontro e recordei daquele tempo da oficina com crianças esculpindo pequenas carrancas com ferramentas primitivas.

  • "Futuro artista"


  • Pena, hoje já não tem mais nada. Na despedida me presenteou com duas peças: uma carranca (o Toró) de autoria dele e uma imagem de santa.
    Agradeci.


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 12


    Voltei para o hotel.
    Fiz minhas malas.
    Fui almoçar no restaurante à beira do Corrente. Como eu era um cliente habitual, fiz amizade com o garçom e ficamos conversando sobre Guarany. O rapaz era bem instruído e sabia muito sobre as carrancas e sobre a vida de Guarany.
    Depois do almoço, sentado, calado, saciado de tanta fartura, encostado na mureta, com o rio bem próximo e olhando a correnteza com os olhos fechando de sono com o calor da tarde, por instantes adormeci e sonhei...

  • Passarela "Luis Felipe de Souza Leão"
    Une Santa Maria da Vitória a São Félix do Coribe
    Foto do autor - 2019


  • E perguntei para o Zé da canoa:
    - E então, Zé! Pescou aquele peixe para seu pai?
    - Tá de brincadeira! Ele disse. Quando percebi que não teria a menor condição de pescar naquele dia, no caminho de volta para pegar o "Ilha Bela" parei no mercado e comprei um belíssimo dourado.
    - Mas me diga uma coisa, Zé. E seu pai não percebeu que era peixe comprado?
    - Ah! Se percebeu! Tentei enganá-lo, mas não deu certo.
    - Como assim? Perguntei.
    - Quando cheguei e lhe entreguei o peixe, ele logo foi perguntando de que balcão do mercado da Lapa que eu tinha "pescado" o dourado. Ninguém engana Tônho!
    Demos risada...
    Nisso veio o garçom e se aproximando me acordou dizendo:
    - Não sei se li em algum lugar ou alguém me disse: "A carranca quando é vista da terra no espelho das águas, parece que se move, parece que tem vida".
    Paguei a conta e me despedi.
    Voltei ao hotel e peguei minhas malas.
    No saguão um amigo me aguardava para se despedir. Eram minhas últimas horas em Santa Maria da Vitória. Aproveitei o momento. Enquanto o carro não vinha, lhe contei da minha relação afetuosa e amiga com a cidade:
    - Sem eu saber, começou no ano de 1957, quando, passando os olhos pelas prateleiras da biblioteca do meu avô paterno, o livro "Types et Aspects du Brésil" publicado naquele mesmo ano pelo IBGE – Conselho Nacional de Geografia, edição em francês, me chamou atenção.
    - Peguei o livro e comecei a folhear.
    - Naquela ocasião, com dez anos de idade, não tinha como enfrentar a leitura das quinhentas páginas do livro, e muito menos em francês.
    - Porém, me encantei com a série de desenhos a bico de pena de Percy Lau, o ilustrador.
    - Os desenhos retratavam cenas e personagens típicos de um Brasil de 1930, de norte a sul, de leste a oeste e o centro do país. Vaqueiros, pescadores, rendeiras, jangadeiros, seringueiros, etc..
    - Imagens belíssimas, diga-se de passagem, e particularmente para mim, que, desde criança fui um admirador de arte.
    - De todos, cerca de cem, o que mais me chamou atenção foi o desenho que ilustrava o capítulo dos barqueiros do São Francisco.
    - Um desenho retratando barcos à beira do rio, portando carrancas na proa. (Pág. 186 da edição em francês, publicada em 1957).
    - Fiquei com aquela imagem para sempre na memória.
    Nisso a recepcionista do hotel aparece com uma garrafa térmica dizendo:
    - Senhores, o café está fresquinho. Acabei de passar. Posso servir?
    - Sim! Por favor. Eu disse. E fizemos uma pausa.
    - Então! Breve você estará de volta em São Paulo.
    - Sim! O tempo está bom. A viagem à noite será segura e de manhã cedo estarei em Brasília e logo mais em casa.


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 13


    Bebemos o cafezinho e continuei...
    - Dando um salto no tempo, veja meu amigo, o que é o destino!
    Em novembro de 2002, estava num sebo em Santo Amaro, o bairro onde moramos em São Paulo procurando um livro. Jurandi entrou e nesse dia conversei rapidamente com ele. Ainda não nos conhecíamos.
    Como nada acontece por acaso, logo em seguida, no Natal daquele mesmo ano, ganhei de presente o livro de Jurandi: "O Inventário do Cotidiano" da senhora Adozinda Khulmann. Trata-se de um livro de arte e a primeira coisa que fiz foi folhear e ver as imagens e eis que me deparo com o quadro "Carrancas do Rio Corrente" (Pags. 124 e 125).

  • "Carrancas do Rio Corrente" - Jurandi Assis
    Óleo sobre tela - 56cm x 74cm - 1997


  • Ou seja, mais de quarenta anos depois, cruzei de novo com as carrancas!
    - Que impressionante! Deve ser a magia das carrancas!
    Meu amigo disse.
    - Verdade! Não é a toa que os barqueiros e os remeiros acreditavam nos seus poderes.
    Nesse momento tocou seu celular e ele conversou com alguém por instantes.
    Em seguida pediu desculpas e disse para eu continuar...
    - Então. No início de 2003, comentando com a amiga Nadime que havia sido presenteado com um livro do Jurandi no Natal, e que gostaria de conhecê-lo pessoalmente. Ela, que já o conhecia, fez questão de me apresentar a ele.
    - Ah! Não sei se você percebeu, inclusive foi ela quem prefaciou em 2012, o livro de Jurandi: "O Arqueiro de Prata", que muitos santamarienses tem em mãos graças à publicação da segunda edição, com o empenho da Prefeitura e da Secretaria de Educação e Cultura de Santa Maria da Vitória.
    A partir daí, conhecendo Jurandi e me tornando seu amigo, para mim foi o sinal de que um dia eu conheceria esta cidade.
    E isso, meu amigo, de fato aconteceu quando em 2009, tive o prazer de estar aqui, com Jurandi, por ocasião das festividades dos cem anos da cidade com o nome de Santa Maria da Vitória,

  • Jurandi Assis e Valdeci Augusto de Oliveira
    Foto do autor - 2017


  • e depois em 2017, na primeira FLIT - Feira Literária de Santa Maria da Vitória em 2009, tive o prazer de estar aqui, com Jurandi, por ocasião das festividades dos cem anos da cidade com o nome de Santa Maria da Vitória, e depois em 2017, na primeira FLIT - Feira Literária de Santa Maria da Vitória e agora sozinho em 2019, na terceira FLIT.


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 14


    Desde a primeira vez fiz amizades e, apesar da distância com São Paulo, graças ao whatsapp, nos relacionamos com certa frequência.
    E como dizer que a admiração pelas carrancas não está por detrás de tudo isso? Uma coisa puxa a outra.
    - Sem dúvida! Ele exclamou visivelmente satisfeito por ter compartilhado comigo dessa história. Coisas da vida!
    Nesse momento a recepcionista se aproximou dizendo:
    - Me avisaram que seu carro para Brasília vai demorar ainda uma hora e meia. Sugiro o senhor jantar, pois à noite, na estrada, não tem onde comer.
    Jantamos e continuamos a conversar sobre a vida, suas surpresas e histórias que às vezes parecem ficção.
    Quando o carro chegou a recepcionista veio me avisar.
    Nos despedimos com um forte abraço.
    Um carro me levou até Brasília. Era quase meio dia quando as rodas do avião rolaram pela pista de Congonhas.
    Durante a viagem pensei em registrar esses fatos que vocês acabaram de ler, pois a vida oferece surpresas através de pequenas coisas...
    Quem diria! Todas essas tramas do destino para conhecer esta terra e sua gente tão hospitaleira.
    Ao povo de Santa Maria da Vitória, parabéns por ser berço dentre outros ilustres, de Guarany com suas carrancas, Osório Alves de Castro com seu livro "Porto Calendário" e de Jurandi Assis com seus desenhos, pinturas e livros e em breve de novos talentos santamarienses revelados pelas FLIT.

  • "Navegando no Rio Corrente"


  • São Paulo, julho de 2019

    Fonte e literatura sugerida:

    - Carrancas do São Francisco. Paulo Pardal. Editora Martins Fontes, 2006
    - A viagem das Carrancas. Lorenzo Mammi. Edit.WMF Martins Fontes. 2015
    - Tipos e aspectos do Brasil. Publicado pelo IBGE. 1975


    As aventuras de "Toró" em Santa Maria da Vitória | pág 15


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