Os críticos

- Oscar D'Ambrosio
- Jacob Klintowitz
- Nereide Schilaro Santa Rosa
- Emanuel von Lauenstein Massarani
- F. Rebolo Gonsales

Jurandi Assis, por Oscar D'Ambrosio
Magia da cor

Um dos grandes desafios da arte está em transformar as visões que se têm da própria aldeia em algo universal, que possa ser comunicado a todos, independendo da nacionalidade, região ou mesmo município de nascimento. As grandes imagens da história da arte, assim como os mais importantes textos da literatura, conseguem essa proeza.

Os trabalhos plásticos de Jurandi Assis caminham nessa direção. Nascido em Santa Maria da Vitória, BA, em 1939, ele vem para a metrópole paulista aos 17 anos e consegue desenvolver uma carreira como pintor marcada pela fidelidade aos temas regionais de sua infância e, principalmente, pela forma como trabalha as entradas de luz em sua obra.

A pintura, em certos momentos, pelo jogo cromático, chega inclusive a se aproximar das velaturas e transparências próprias da aquarela. Independente da temática, o artista consegue trazer para o seu trabalho, seja na pintura ou no desenho, grande leveza, num tom de fino encantamento e delicadeza.

Mulheres com ou sem rosto, floristas e cenas populares da cultura baiana, como a lavagem do Bonfim, ganham uma dimensão renovada. Não são meras reproduções do real, mas oportunidades do artista exercitar a sua técnica, desenvolvida ao longo dos anos a partir de um determinado repertório de imagens.

Sambistas, pescadores e mercadores de cavalos ganham assim uma dimensão quase mítica. O observador menos ingênuo pode se deliciar justamente com as possibilidades cromáticas – e menos com o referente concreto que ele encontra em cada imagem.

No que diz respeito aos assuntos enfocados pelo artista baiano, um dos mais significativos, além dos citados, é o da música. Mulheres com instrumentos musicais, por exemplo, compõem universos em que ocorre a harmonia das cores e do imaginário som se articulam em um universo marcado pela relação entre as nuances obtidas por efeitos de luz.

Fiel aos temas de sua aldeia, do universo do interior da Bahia, Jurandi Assis sabe como dar a cada desenho ou pintura um toque pessoal num recurso pictórico que torna cada tela a oportunidade de conhecer melhor como o artista articula blocos para obter o efeito desejado. A atmosfera baiana que ele apresenta ao observador, ao contrário do que parece num primeiro momento, não se fecha no regionalismo.

O estilo de composição utilizado e o intenso cromatismo apontam para o estabelecimento de uma realidade visual própria, que extrapola a interpretação local, regional ou nacional, adquirindo um valor universal, que encanta públicos de todas as procedências, seja pelas imagens não habituais no sudeste do país ou pela maneira muito própria de dar ao seu talento uma dimensão estética diferenciada.
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Jurandi Assis, por Oscar D'Ambrosio
O grafite de Jurandi Assis

O ato de desenhar possui uma magia muito especial. A sua complexidade está no fato de ser a melhor oportunidade para treinar a percepção e discutir elementos de composição, tons, distância, profundidade e textura. Trata-se de um processo que elabora uma sistemática visual.

A prática leva a uma espécie de alfabetização. Mesmo que seja uma criação, como é o caso de Jurandi Assis, no que diz respeito, por exemplo, à divisão de áreas, há referências concretas. Para o artista baiano, elas estão na música, na infância, nos pescadores, no folclore e nos vaqueiros, entre outros temas.

O desenho, como dizem os chineses, é o osso da pintura. É ele que possibilita uma educação do olhar, ainda mais quando feito em branco, modalidade que, no oriente, é vista como a mais nobre e a utilizada nas academias de pintura para avaliar os alunos. No diálogo entre o que se deseja esconder e o que se mostra nasce o encanto.

Jurandi Assis dá ao seu grafite a dimensão de um universo de grisalhas, onde cada cinza nasce da construção resultante da conversa entre aquilo que o artista vê, o que ele imagina ver e o que deseja criar. A técnica e a sensibilidade geram, assim, um trabalho de impacto e pesquisa visual do qual o observador não sai indiferente.

Oscar D'Ambrosio, jornalista e mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp, integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA- Seção Brasil).
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Jurandi Assis, um ensaio crítico por Jacob Klintowitz

Estar no mundo é para o pintor Jurandi Assis um exercício de entrega absoluta. Ele está totalmente receptivo ao próprio percurso e o seu único guia é a intuição. É ela que o orientou desde menino, o transformou em pintor e o fez percorrer o caminho da pequena cidade no interior baiano até São Paulo – a maior cidade da América do Sul – não como um simples migrante de mão de obra inespecífica, mas como uma autodidata profissional da área da comunicação. De alguma maneira, para o artista, não há questionamentos sobre o seu modo de ser e a sua vocação, mas aceitação sobre a sua tarefa e um progressivo preparo para exercer a sua atividade.

O destino, como um vetor já estabelecido, determina os enigmas, os objetivos e as opções possíveis. Cabe a ele disciplinar-se, organizar e aprimorar os seus meios e trabalhar com afinco de um camponês. Jurandi Assis não está preocupado com as estações do ano, com as benesses ou agravos da natureza: ele prepara o terreno, semeia e colhe.

Jurandi Assis reconhece o destino manifestado nas opções de sua vida e cumpre a sua parte. Não é necessário recorrer à sabedoria e orientação do Oráculo de Delfos, pois não há conflito e as dúvidas são esclarecidas ao longo da existência. É a justeza da postura, a dedicação ao trabalho, ao respeito às obrigações sociais e familiares, o que determina o seu caminho. Desta forma, a tessitura, o entrelaçamento dos fios aparentemente soltos, criam o desenho da realidade. E é neste diálogo, entre ação individual e um plano superior apenas intuído, que o homem e o artista fazem a sua parte e percebe o que lhe está reservado. A pintura de Jurandi Assis situa-se, curiosamente, como um amálgama de polaridades. De um lado é dionisíaco. O artista entrega-se totalmente às percepções, permite emergir as memórias, as alegrias, os cheiros e a visualidade que conheceu e ainda ama. É um homem voltado para o prazer da atividade e com vigor de quem encontra na expressão os melhores momentos que conhece.E, por outro lado, ele organiza geometricamente o espaço e a composição, aproxima as cores por harmonia, cuida das passagens cromáticas e planeja com detalhes a visualidade da obra. Basta contemplá-las para conhecer a mão e a mente do artista. É Apolo presidindo a arte.

É rara esta síntese que Jurandi Assis consegue no seu trabalho. Ainda mais que não se observa o conflito, a indecisão, a luta dos opostos. Certamente, aqui vale a sua concepção do Destino como entidade divina, como manifestação do caráter sagrado do cosmos. A aceitação religiosa da realidade origina esta harmonia da ação pictórica. Aqui, entende-se religião como religara, religar, unir partes diversas, tornar o que está em cima igual ao que está embaixo, tornar sagrado o espaço terreno à semelhança do espaço celeste. A cosmologia terrena repete, na terceira dimensão, a cosmologia sagrada de uma dimensão mais sutil.

Penso que este é um dado fundamental na pintura de Jurandi Assis, a sua capacidade de concretizar situações harmônicas. Talvez, por esse ponto de vista, devido a anímica concepção que preside a sua pintura, possamos entender a empatia e o trânsito que o seu trabalho encontra em segmentos sociais tão diferentes entre si. A sua pintura, na sua medida, corresponde à necessidade contemporânea de harmonia com o destino.
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Jurandi Assis, O Inventário do Cotidiano
Por Nereide Schilaro Santa Rosa, primavera de 2005

"Não há limite na luta para a realização de um sonho". Jurandi afirma ao final de sua história. Um sinal de que sua busca foi sempre intensa e profunda. Emotiva e envolvente. Tal como o são seus traços, suas linhas e cores. Formas e raízes que se confundem, e conduzem ao seu próprio universo revelado nas linhas e entrelinhas.

No texto, as formas e as palavras são envolvidas e dissecadas a cada momento. Afinal o ato de escrever requer coragem e contar a própria história requer maturidade e discernimento. Na tela, as formas e as cores sensíveis são harmônicas e equilibradas. Afinal, expor desenhos e pinturas é revelar o próprio âmago, suas certezas e incertezas, sua forma de olhar o mundo e representa-lo.

Trata-se de história repleta de momentos que ficarão para sempre impressos nas superfícies planas das telas ou em simples papéis em branco. A descoberta da pintura para Jurandi foi a porta de sua conquista, feita passo a passo, simplesmente por ter a coragem de acreditar em si mesmo. A sua busca de caminhos e contatos, do ensino e da aprendizagem revelam que o sucesso é inevitável para quem é autodidata como tantos o foram. O seu testemunho é um exemplo para os jovens artistas. A sua capacidade de observação desde a tenra idade e o contato com a cultura popular e as raízes de nosso povo foram ingredientes que saciaram sua vontade de realização pessoal e profissional, a busca de seus sonhos através do pincel e das tintas. Poderia ter escolhido outro caminho... Mas não o fez. Felizmente. Jurandi nos envolve em seu mundo de cores e movimentos. Suas figuras não nos parecem estáticas, elas invocam a sua própria e inquieta alma. Alma de quem não ficaria semanas delineando uma simples gota d´água, tal como nos conta em uma de suas passagens. De quem não ficaria observando o mundo passar, sem assumi-lo e influenciá-lo. Influência que pode ocorrer apenas com a oportunidade de um olhar. O olhar do observador que repensa cores, forma atitudes a partir do contato com a obra de arte. E é esse o papel primordial do artista: incomodar, e mais ainda, inferir e criticar. E Jurandi nos provoca ao revelar os momentos do cotidiano e da luta dos brasileiros em cada canto deste país. As imagens sugerem dinamicidade e ação. Brasileiros que brincam, trabalham, se divertem ou simplesmente esperam. Uma esperança que permeia ações que, muitas vezes transparecem a alegria do povo, e outra vezes é expressada em sensíveis imagens. Não há rostos. Na verdade, não há necessidade de identidade. Estamos todos ali, presentes, no pequeno espaço da tela. Brasileiros e brasileiras. Fauna e flora. Cultura popular. Imagens delineadas em cores quentes aplicadas com suavidade, uma dicotomia que nos encanta e causa estranheza. Talvez seja esse o seu segredo. E ainda, os grafites, onde a forma prevalece e o tema se destaca. Neste livro o leitor conhecerá este artista e seus desenhos, seus temas e suas revelações. A história de um brasileiro que teve a arte como sua companheira. Uma oportunidade ao leitor de se envolver no mundo das artes, de conhecer as dificuldades e pedras no caminho, superadas com muita luta por Jurandi. A realização de um sonho revela o não desistir nunca para sempre vencer, "de forma natural, abençoada" por seus personagens: homens e mulheres, violeiros, cantadores, pastores e cavaleiros, quituteiras e dançarinos, e crianças, muitas crianças com suas brincadeiras. Todos, que fazem parte de seu universo e de sua vida revelada, na ponta do lápis.
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Emanuel von Lauenstein Massarani
Fiel a suas origens baianas, Jurandi Assis impõe à natureza a totalidade de seu caráter expressionista.

A fidelidade aos sentimentos, a religiosidade que sustenta o seu mundo, a dignidade que o distingue, são pontos fundamentais para a arte de Jurandi Assis, cuja vida é sua mestra indiscutível.

Trata-se de um artista que não consegue se impedir de mesclar o sonho à realidade, a ilusão à verdade, de confundir o material e o imaterial, de procurar sob as aparências corporais as faculdades morais, intelectuais e sentimentais de que o espírito humano é composto, de descobrir as misteriosas relações que se estabelecem entre os seres e as coisas.

Entre os dons pessoais desse artista baiano, devemos destacar a cor ensolarada de suas paisagens e de suas cenas campestres, e, sobretudo, a qualidade dos rostos de seus personagens e dos grupos humanos que ele faz viver com uma particular intensidade de expressão.

Em suas paisagens de cores brilhantes e sóbrias encontramos o significado de um verdadeiro e caloroso temperamento. Através d uma grande densidade de tons, elas emanam sol e vida onde o artista consegue alcançar a verdadeira arte, aquela que enternece o coração ao mesmo tempo em que os olhos.

O mundo pictórico desse artista reflete com fidelidade os sentimentos de um homem que não se afasta da realidade, nem a deforma propositadamente. Contemplando afetivamente a realidade, ele a condensa em termos, lineamentos e volumes essenciais, revelando sua alma poética e seu significado cósmico. Serenidade, alegria e angústia são sentimentos que Jurandi Assis descreve em seus quadros, cujo conteúdo representa mais que um longo discurso. Possuindo uma técnica segura, é um pintor profundamente humano e suas obras nos envolvem de um sentimento enternecedor e emocionante.

Em “Mulheres com feixes de lenha”, obra doada ao Acervo Artístico da Assembléia Legislativa, o artista retrata com luminosidade uma cena característica de sua Bahia natal. Expressionista de traço firme, de colorido temperado ao rigor do seu desenho, Jurandi Assis demonstra ser um pintor que impõe à natureza a totalidade de seu caráter.

Matéria publicada no Diário Oficial Poder Legislativo – São Paulo, 30/07/2004
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F. Rebolo Gonsales

Jurandi Assis iniciou-se na arte como acadêmico, mas, jovem e com talento, voltou-se para a pintura moderna. Suas composições com fundos abstratos, geometrizados, e figuras no primeiro plano ( onde se evidencia a influência de certa fase do grande mestre Portinari ) representam a procura temática do folclore, especialmente da Bahia, de onde veio. Seus trabalhos adquirem um cunho original, marcado pela estilização muito pessoal das figuras e os arranjos das linhas e, em certas obras, caminhando para o surrealismo.
Jurandi é um artista de sensibilidade, que sabe desenhar ( o que é básico para todo o desenvolvimento posterior ) e deve ir muito longe na pintura; é só persistir na vontade de pesquisar, preservando a modéstia confiante, porque talento ele tem. (Março de 1974)



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